A complicação da AL-101 Sul
quarta-feira, março 31, 2010
“Está sacramentado: jamais vão duplicar a estrada. Ela será sempre uma via secundária, de duas pistas, para quem não tem pressa.”(Desconhecido)
O futuro chegou a Alagoas. O falado projeto de duplicação da rodovia AL-101 Sul, iniciado em 2004, finalmente saiu do papel. Orçada em aproximadamente R$138 milhões, a primeira etapa da obra cobre os 25,8 km partindo do Detran até o entroncamento da AL-220, na entrada da Barra de São Miguel; o projeto prevê também a duplicação de quatro pontes e a construção de três viadutos. As melhorias a serem trazidas com a duplicação da rodovia estão sendo celebradas pela maioria das comunidades alagoanas. Não há espaço, entretanto, para o debate sobre as implicações que a obra trará.
Enquanto o governador Teotônio Vilela se refere à obra como um “sonho meu e do senador Renan Calheiros; um sonho da população da Barra de São Miguel; um sonho que, realizado, contribuirá decisivamente para avançarmos mais na reconstrução de Alagoas”, as consequências deste sonho são ignoradas. O intuito desta matéria não é questionar a importância desta obra que desenvolverá um trecho que, em períodos de pico, chega a registrar fluxo de 7 mil veículos por dia – o que provoca constantes engarrafamentos e acidentes, principalmente por ultrapassagens perigosas. É uma obra para o bem público, entretanto existem os impactos ambientais inevitáveis da construção. O que se questiona, portanto, é o valor das palavras “desenvolvimento sustentável” para o governo do Estado de Alagoas.
O coordenador do Setor de Biodiversidade e Ecologia da Universidade Federal de Alagoas (UFAL), Gabriel Le Campion, é categórico quanto aos perigos da supressão da vegetação de mangue que existe atualmente às margens da rodovia, especialmente na área da Ilha de Santa Rita, onde a destruição será mais gritante. Ele afirma: “o mangue tem um papel enorme na relação dos dois maiores ecossistemas da terra: o oceano e o continente”. O professor explica que este é um problema de efeito “bola-de-neve”, pois “a importância do equilíbrio provido pelo manguezal é inestimável. Este ambiente é o produtor, por exemplo, da chamada substância laranja, que impede a doença de animais e plantas”, pontua. E explica: para a natureza, os mangues são considerados uma espécie de maternidade do mar, da fauna e da flora, e para o homem uma importante fonte de alimento.
São muito discutidas também as implicações da retirada de areia das Dunas do Cavalo Russo, no entorno da praia do Francês, a alteração e fragmentação de habitats e a perda de populações animais que podem trazer como resultado uma diminuição na biodiversidade observada na região. Em entrevista, o biólogo Iremar Bayma, consultor ambiental que integrou a equipe que fez o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) para o Instituto do Meio Ambiente (IMA) de Alagoas, chama a atenção ainda para as implicações futuras da execução da obra: “a forma como a obra é realizada pode agravar ainda mais os seus impactos ambientais. As máquinas devem estar bem reguladas, para que não haja derramamento de óleo e a consequente contaminação do solo e do lençól freático; há a geração de muito lixo, resíduos sólidos e líquidos, que devem ser estocados de maneira adequada. Deve-se pensar com cuidado aonde estes deverão ser lançados ou, se for o caso, reciclados, entre muitos outros fatores”, pontua. E alerta, “quando falamos em impacto, devemos falar dos diretos, advindos da obra em si, e dos indiretos – que serão causados depois que o projeto estiver pronto. As áreas do entorno daquela rodovia tendem a sofrer uma valorização exorbitante. O ato físico, de construir estradas – que, de fato, é necessário – não se compara ao efeito da atração de toda uma população para aquela região, que poderá causar, por exemplo, mais desmatamento e a ocupação desordenada”, conclui.
O futuro chegou a Alagoas. O falado projeto de duplicação da rodovia AL-101 Sul, iniciado em 2004, finalmente saiu do papel. Orçada em aproximadamente R$138 milhões, a primeira etapa da obra cobre os 25,8 km partindo do Detran até o entroncamento da AL-220, na entrada da Barra de São Miguel; o projeto prevê também a duplicação de quatro pontes e a construção de três viadutos. As melhorias a serem trazidas com a duplicação da rodovia estão sendo celebradas pela maioria das comunidades alagoanas. Não há espaço, entretanto, para o debate sobre as implicações que a obra trará.
Enquanto o governador Teotônio Vilela se refere à obra como um “sonho meu e do senador Renan Calheiros; um sonho da população da Barra de São Miguel; um sonho que, realizado, contribuirá decisivamente para avançarmos mais na reconstrução de Alagoas”, as consequências deste sonho são ignoradas. O intuito desta matéria não é questionar a importância desta obra que desenvolverá um trecho que, em períodos de pico, chega a registrar fluxo de 7 mil veículos por dia – o que provoca constantes engarrafamentos e acidentes, principalmente por ultrapassagens perigosas. É uma obra para o bem público, entretanto existem os impactos ambientais inevitáveis da construção. O que se questiona, portanto, é o valor das palavras “desenvolvimento sustentável” para o governo do Estado de Alagoas.
O coordenador do Setor de Biodiversidade e Ecologia da Universidade Federal de Alagoas (UFAL), Gabriel Le Campion, é categórico quanto aos perigos da supressão da vegetação de mangue que existe atualmente às margens da rodovia, especialmente na área da Ilha de Santa Rita, onde a destruição será mais gritante. Ele afirma: “o mangue tem um papel enorme na relação dos dois maiores ecossistemas da terra: o oceano e o continente”. O professor explica que este é um problema de efeito “bola-de-neve”, pois “a importância do equilíbrio provido pelo manguezal é inestimável. Este ambiente é o produtor, por exemplo, da chamada substância laranja, que impede a doença de animais e plantas”, pontua. E explica: para a natureza, os mangues são considerados uma espécie de maternidade do mar, da fauna e da flora, e para o homem uma importante fonte de alimento.
São muito discutidas também as implicações da retirada de areia das Dunas do Cavalo Russo, no entorno da praia do Francês, a alteração e fragmentação de habitats e a perda de populações animais que podem trazer como resultado uma diminuição na biodiversidade observada na região. Em entrevista, o biólogo Iremar Bayma, consultor ambiental que integrou a equipe que fez o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) para o Instituto do Meio Ambiente (IMA) de Alagoas, chama a atenção ainda para as implicações futuras da execução da obra: “a forma como a obra é realizada pode agravar ainda mais os seus impactos ambientais. As máquinas devem estar bem reguladas, para que não haja derramamento de óleo e a consequente contaminação do solo e do lençól freático; há a geração de muito lixo, resíduos sólidos e líquidos, que devem ser estocados de maneira adequada. Deve-se pensar com cuidado aonde estes deverão ser lançados ou, se for o caso, reciclados, entre muitos outros fatores”, pontua. E alerta, “quando falamos em impacto, devemos falar dos diretos, advindos da obra em si, e dos indiretos – que serão causados depois que o projeto estiver pronto. As áreas do entorno daquela rodovia tendem a sofrer uma valorização exorbitante. O ato físico, de construir estradas – que, de fato, é necessário – não se compara ao efeito da atração de toda uma população para aquela região, que poderá causar, por exemplo, mais desmatamento e a ocupação desordenada”, conclui.
A restinga situada entre a Praia do Francês e a Barra de São Miguel é um dos últimos fragmentos desse ecossistema, no Estado de Alagoas
No 23 de janeiro dois tratores foram flagrados destruindo a Restinga da Praia do Francês
Há diversas leis e resoluções que protegem toda essa área
Medidas de Compensação
No local da obra, o sinal é objetivo: para cada árvore derrubada, três serão replantadas. As questões que destas simples palavras seguem são várias: em qual espaço físico, na própria aba de Santa Rita? Qual tipo de vegetação será replantada? Em quanto tempo, de agora? Não há respostas exatas. De fato, um projeto experimental de plantio de árvores está sendo feito, com algumas mudas sendo plantadas na área após a ponte Divaldo Suruagy, como informado por Márcio Barboza, engenheiro, representante da UFAL no CEPRAN (Conselho Estadual de Proteção Ambiental), um batalhador ferrenho pelos direitos ambientais. Barboza explica que o plano é que, ao início da temporada de chuvas em maio, dê-se continuidade a estas ações. Plano: sinônimo de intenção. No campo da intencionalidade, o próprio relatório do IMA sugere alguns planos compensatórios para a obra. Algumas delas são o mapeamento da marcação de áreas de preservação permanente, o reflorestamento da área com espécies nativas, bem como a recomposição do solo e da vegetação da faixa degradada e a implantação de unidades de conservação. “Temos que lutar para que estes planos sejam de fato executados”, pontua Barboza.
Que fique claro, não é uma questão de boa intenção. É lei, apreciada pelo Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza – SNUC, que estabele que, nos casos de licenciamento de empreendimentos de significativo impacto ambiental, como é o caso da duplicação, o empreendedor é obrigado a apoiar a implantação e manutenção de unidades de conservação do Grupo de Proteção Integral, de acordo com o disposto no artigo 36 da lei número 9985. E mais: “o montante de recursos a ser destinado pelo empreendedor para esta finalidade não pode ser inferior a meio por cento dos custos totais previstos para a implantação do empreendimento”. Leia-se esta informação da seguinte maneira: o governo de Alagoas, empreendedor, tem por obrigação que investir pelo menos 690 mil reais em medidas que compensem os impactos causados pela obra. Isto sem contar as chamadas medidas mitigatórias que devem ser implatadas.
O engenheiro chama atenção, ainda, para a crescente discussão que muito pouco é divulgada: a falta de uma ciclovia no projeto. Após muito debate, um espaço será reservado nas pontes para que, “num futuro próximo, quando da arrecadação de suficiente verba para tanto”, segundo o governador do Estado, a ciclovia seja implementada nas pontes. Não há, entretanto, projeto para o espaço destinado aos ciclistas na rodovia em si. “É inconcebível”, afirma Márcio Barboza, “os números de acidentes com ciclistas naquela região é gritante; trata-se de um dos principais meios de transporte dos trabalhadores da região”. Trata-se, ainda, de um desperdício de uma modalidade turística muito explorada em outras cidades com riquezas naturais como as de Alagoas: o turismo ecológico, com passeios feitos de bicicleta. Ganharia o turista, que teria um contato direto com as belezas naturais da região; ganharia o trabalhador, com, por exemplo, o aluguel de bicicletas que poderia ser feito como forma de comércio na área. O CEPRAN, afirma Barboza, “está na luta para que a ciclovia seja, de fato, implementada no projeto”.
“É preciso que estejamos atentos”, afirma Erikson Machado de Melo, Secretário de Meio Ambiente do Município de Marechal Deodoro. Machado afirma que os planos de compensação da obra, se existem, são pouco divulgados. Afirma ainda que não se sabe de qualquer iniciativa neste sentido. “É tudo muito confuso. Se pergunta-se sobre as medidas de compensação o tempo muda, não se é divulgado sequer quem são os membros da equipe técnica dedicada ao estudo das melhores medidas a serem tomadas”, pontua. O presidente da ONG Salsa de praia, militante na luta pela preservação do meio ambiente e do desenvolvimento sustentável da área cortada pela duplicação, alerta também para os futuros danos que podem ser causados ao pouco que resta da vegetação restinga no litoral alagoano. É da ONG a iniciativa do abaixo-assinado que reuniu em torno de 5.000 assinaturas contra a implantação de mais um empreendimento imobiliário no trecho Francês-Barra de São Miguel.
O que acontece neste quesito é que o CEPRAM aprovou por 7 votos a 6 a Licença Prévia de um mega empreendimento de aproximadamente 220 hectares - que prevê inclusive um campo de golf - justamente em cima da restinga, área em que são monitoradas pela Salsa de Praia há 15 anos as desovas e nascimentos de tartarugas marinhas. Há ainda, segundo Machado, registros de espécies de aves ameaçadas de extinção que foram ali encontradas. “Qual o futuro destas espécies se seu habitat for destruído?”, questiona. O grupo argumenta ainda que o citado empreendimento prevê lotes em Área de Preservação Permanente, o que está em desacordo com a Legislação Ambiental vigente, portanto o mesmo não deveria sequer ser apreciado pelo CEPRAM, para obtenção de uma Licença Prévia.
Em dezembro do ano passado, foi realizado no calçadão de Maceió o abaixo-assinado
Com ajuda dos voluntários do Salsa-de-praia, alunos da UFAL e do Instituto Federal de Alagoas, coletaram cerca de 5 mil assinaturas
“Ao norte da Barra de São Miguel encontra-se o último fragmento de Restinga da região metropolitana de Maceió, ainda preservado. E um dos últimos ecossistemas de Restinga do Estado de Alagoas. Sendo assim, a implantação de qualquer empreendimento nessa área vai de encontro aos interesses sociais de um desenvolvimento sustentado, uma vez que ameaça irreversivelmente um ecossistema que é raro, fazendo com que o mesmo torne-se indisponível para as futuras gerações”, afirma o documento entregue ao Procurador da república Bruno Baiocchi Vieira, que versa sobre o caso. Toda essa área vem sendo constantemente ameaçada por pressões imobiliárias, sofrendo degradação e descaracterização, o que tem sido objeto de inúmeras denúncias ao Ministério Público Federal, o qual tem se posicionado por meio de providências no sentido do cumprimento da Lei.
A duplicação da AL-101 Sul está planejada para acabar no mês de julho do corrente ano. Não estão planejadas, entretanto, as ações coibidoras de degredação da área – além da prevista pela própria construção da estrada. Não está planejado o controle da reurbanização da área após o fim das obras. Não está planejada, muito menos, a formação de um cidadão consciente quanto às implicações de tal agressão ao meio-ambiente. Vários fatores de risco podem transformar-se em geradores de tensões sociais e ambientais, consequentes dos trabalhos de construção. O desenvolvimento sustentável é aquele que é eficiente economicamente, prudente ecologicamente e socialmente desejável. O governo de Alagoas precisa de uma aula básica no assunto. O futuro já chegou, sim, a Alagoas. Só não chegou de forma equilibrada.
Ana Célia Rocha